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Paulo Mole, economista e representante da Agra Moçambique, no “Grande Entrevista”

Texto: Edmilson Lambo Foto: O País

Doutor Paulo Mole, a aliança para uma revolução verde em África existe desde 2006 como parceria dinâmica em todo o continente africano, incluindo em Moçambique, com vista a ajudar os agricultores e os seus familiares para a erradicação da pobreza e para a eliminação da fome.

Que balanço faz destes 15 anos da implementação do programa e da existência da Agro em Moçambique?

Devo dizer que as actividades da Agra e dos resultados esperados são sempre um processo longo e muitas vezes demorado. Do ponto de vista daquilo que a Agra se tinha proposto, que é basicamente a ajudar o Governo na criação de capacidades para provisão de servide valor do sector agrário, penso que conseguimos. Mas, como eu dizia, é um balanco positivo, mas requer investimentos contínuos e é isso que a Agra se propôs a fazer, em particular no objectivo de fazer da agricultura o activo de que as famílias precisam para gerar renda e reduzir a pobreza e a insegurança alimentar.

Faz um balanço positivo daquilo que são as acções da Agra no nosso país. Como é que descreve Moçambique em comparação com todos os países da Africa subsaariana, onde a Agra também está presente?

Primeiro dizer que a Agra está presente em 11 países entre os 54 existentes em África. Como uma aliança específica para o continente, dentro desses 11 territórios, cada um deles está em diferentes estágios de desenvolvimento no sector agrário. Vou dar exemplo, quando a Agra iniciou as suas operações em Moçambique, o Governo tinha uma estratégia do sector agrário e, nessa altura, tinha uma congregação de parceiros de desenvolvimento que estavam à volta dessa estratégia, que é a visão que o Governo tinha em relação ao sector agrário.

Essa estratégia terminou no ano passado e havia necessidade de estabelecer uma nova visão sobre aonde é que o Governo pretende chegar. A mesma estratégia agora está no seu segundo ciclo de desenvolvimento. O que eu queria dizer é que o que a Agra conseguiu durante este tempo é criar capacidade, por exemplo, no sector de pesquisa. Ajudou o Governo na formação de melhoradores de semente, uma área crítica para - ciou programas de melhoramento de sementes que antes não existiam ou se existiam não estavam em acção.

Hoje, por exemplo, podemos dizer que há pelo menos algumas linhas de desenvolvimento de sementes que estão em constante progressão. O mesmo pode dizer-se, por exemplo, na área de - ciados programas de mestrado e doutoramento para funcionários, do Instituto de Investigação

Agronómica, que se dedicam ao melhoramento constante da fertilidade de solos.

Como pode saber, dependendo da situação dos solos, podemse criar diferentes adubos, que são adequados em determinadas áreas. Podemos dizer que hoje, com o apoio da Agra, por exemplo, já existem cinco misturas antes não existiam no país.

Esses resultados derivam também da partilha de experiências de outros países da região, considerando que Moçambique, a nível da região, é dos países com níveis de produtividade muito baixa, embora possua um elevado potencial agro- ecológico?

Quando falamos da região subsaariana nos países onde a Agra está presente, se formos a Malawi, por exemplo, há programas dos solos, que permitiram a adopção pelos produtores do uso dos fertilizantes. É verdade que essas acções são sempre complementadas com políticas do Governo. Por exemplo, há subsídios no Malawi que nós não temos na utilização de sementes.

O Ruanda, que não é da nossa região, hoje já não precisa de importar sementes. Com o apoio da Agra, foi possível apoiar empresas de semente locais, que hoje são capazes de produzir e dispensar a sua importação. Como se pode saber, a semente de qualidade é crucial para o desenvolvimento ou incremento da produtividade e produção.

Portanto, com a experiência de diferentes países, o que nós aprendemos é que as acções são similares em todos eles, mas cada um está num determinado estágio. Falava do Ruanda que já não

importa sementes, mas aqui ainda importamos sementes e não temos poucas empresas locais que têm a capacidade de produzir sementes, por exemplo, acima de 1000 toneladas por ano. E sabese que, em todos os anos, quando há calamidades, o Governo faz um exercício muito grande para trazer sementes.

O que falta para encorajar o empresariado nacional a apostar na produção de sementes de qualidade para tornar o nosso mercado mais competitivo?

Há um aspecto que é crítico, que é a disponibilidade da semente pré-básica, utilizada para multiplicar e depois ser levada para as empresas. Primeiro, é o nível de investimento do sector privado que coloca à disposição, para além de falar do ambiente de políticas ou incentivos que permitem que as empresas escolham a produção de semente. Portanto, é uma combinação entre políticas que criam o ambiente favorável a isso e depois tem o aspecto de riscos.

Outro aspecto é do financiamento. Se for a um banco e perguntar quantas empresas de produção de semente já receberam é zero. Se perguntar quantas empara o sector agrário, no geral, talvez tenha uma ou duas, mas, se olhar para essas empresas, não são necessariamente do sector privado que a Agra pretende apoiar.

De que forma a Agra procura exercer alguma inde políticas agrárias no nosso país?

Talvez recuar um pouco e dizer que há três áreas em que a Agra se concentra. Uma é apoiar o Governo no desenvolvimento de uma visão estratégica, aquilo que no nosso país se chama Plano Estratégico do Sector Agrário. Uma - ceiros, sejam de desenvolvimento, sejam do sector privado ou das organizações não- governamentais, congregam- se à volta desse objectivo, para manifestar o seu interesse no apoio em acções esuma agência chega e diz em que é que pode apoiar e depois desenvolve programas.

Portanto, o que a Agra faz é co- criar programas específicos de apoio à materialização dessa visão e é isso que faz o que se chama de Plano Nacional de Desenvolvimento. Nesse sentido, o Governo pode ter um documento sobre a sua visão e ter um orçamento, no qual coloca as necessidades do país. Essa é uma área que também está relacionada ao programa do desenvolvimento do sector agrário da União Africana. Assim, todos os Governos do continente se comprometem em colocar, todos os anos, o investimento que se solicitou. Por exemplo, a Declaração de Maputo dos 10 por cento provém deste tipo de visão.

Se o Governo diz que vai dar 10 por cento de dinheiro, isso incentiva todos os “stakeholders” a fazerem os seus compromissos. O Governo não tem apenas uma visão, mas também aloca recursos.

Mas, que políticas é que foram desenvolvidas e com algum sucesso como resultado daquilo que é a intervenção da Agra em Moçambique?

Posso dizer-lhe, por exemplo, que nesta área de desenvolvimento de uma visão e de um plano de investimentos, antecipa- se que haja um comité de coordenação. E, para que todos os parceiros de desenvolvimento estejam juntos, tem de haver uma coordenação ao mais alto nível.

Neste momento, há um decreto que está a ser desenvolvido para apoiar este comité no sentido de o institucionalizar e como um instrumento de diálogo e de plaao Conselho de Ministros. A ideia é que a agenda da transformação agrária que esteja na mesa de liderança mais alta do país, neste caso estamos a falar do Chefe de Estado, por isso tem que chegar a si.

Há oura questão que é sobre o apoio institucional que a Agra está a prestar. Este aspecto con - ma de políticas. Neste momento, a Agra está a apoiar o Ministério de Agricultura para a implementação da lei de fertilizantes.

O Governo quer ver a lei de fertilizantes como a mais ampla, para que o Executivo considere como sendo a Lei de Agricultura, que poderá ser apreciada e aprovada pela Assembleia da República. Um dos aspectos importantes para Agra e para África é o investimento na produção de adubos em cada um dos países, pois o seu custo é extremamente alto, não só por causa do custo de produção, mas também por causa de políticas que estão à volta.

Há outras peças- chave em que a Agra está a apoiar. Uma delas é a política nacional de extensão. O nosso país tem diferentes modelos de extensão, que, muitas vezes, são trazidos de diferentes circunstâncias. Portanto, é preciso que haja uma política nacional, que possibilite a harmonização entre os diferentes parceiros.

A outra peça- chave que a Agra está a apoiar é o quadro legal para é um dos aspectos críticos para a produção agrária e o acesso é extremamente difícil, não só pelo custo do dinheiro, mas é pela falta - ceiros adequados aos actores que nós temos. Por isso, há exclusão nesse sentido. Refiro-me, por exemplo, aos pequenos processadores, os agentes de agronegócio locais.

Se calhar nem precisam de ir - mento. A questão é como é possípor exemplo na fonte.

Está aqui a destacar o desafio de acesso ao financiamento da criação ou do melhoramento de alguns instrumentos legais para facilitar a actividade agrária no nosso país. Mas, olhando para aquilo que é a missão da Agra, que é desencadear uma revolução verde exclusivamente africana, por que é que, passados 15 anos, a Agra ainda não deu passos significativos rumo a esta revolução?

Como disse no princípio, o desenvolvimento não se faz em cinco anos, mas posso garantir-lhe que, se for a regiões onde trabalhamos, onde não tinha um distribuidor de insumos, hoje já existe.

Sente que hoje estamos a construir os pilares para o desenvolvimento Agrário nos próximos anos no nosso país?

Naturalmente. Um produtor andava, em média, a 45 a 80 quilómetros para encontrar uma loja de sementes. Com o apoio que deu nessas regiões, a Agra conseguiu reduzir de 45 a 7 ou 8 quilómetros para ir buscar um tem muito a ver com a mudança das mentes. Hoje, por exemplo, os bancos ainda têm a mente de que só pode ser feito construindo um balcão no meio rural, mas, numa era de tecnologia, não precisamos disso. É preciso utilizar os meios disponíveis para alcançar.

Contudo, existem outras questões que precisam de estar no lugar para atrair mais negócio ao sector agrário. Por isso, uma das características da nossa frente é, enquanto trabalhamos no terreno, colher evidências sobre o que funciona e o que não funciona para

Defende que o desenvolvimento não acontece de forma instantânea, é um processo longo que deve ser - mento sustentável. Olhando para aquilo que são as aspirações que a Agra tem para o nosso país, quais são os planos concretos de médio, curto e longo prazos, que a Agra tem desenhado para que os moçambicanos possam acompanhar aquilo que é a intervenção e a sua presença no nosso país?

A revolução verde a que referimos é unicamente africana, porque, como se sabe, a revolução asiática, que é mais conhecida, foi impressa por factores externos. A noção de que o falecido doutor que falou sobre o desenvolvimento duma revolução unicamente africana, é que ela tinha que ser feita por africanos e liderada por próprios africanos.

Por isso mesmo, um dos pilares centrais da Agra é trabalhar com os Governos e com as agendas estabelecidas pelos executivos e o um Governo, as prioridades também mudam e é preciso adaptarse a algumas dessas prioridades.

No nosso país, no cômputo geral, a agricultura sempre foi apontada como uma das prioridades no nosso Governo?

Sim, mas a agricultura, como prioridade, tem que ser vista do ponto de vista de o que é prioridade dentro do sector agrário e é isso que muda quando se altera o Governo. Todos os cientistas, que a Agra tem, posso garantir-lhe, são todos africanos nas diferentes áreas, de produção de sementes, fertilidade dos solos, mercados e políticas e ela guia-se pela necessidade dos produtores. Eu falava que as nossas intervenções no campo são mecanismo de colher - dança de políticas. Esta questão, por exemplo, de fertilizantes mostrou-nos que há uma necessidade de os produtores aumentar o uso de adubos.

Se objectivo é agenda nessas prioridades, como é que os moçambicanos, conhecendo o projecto da Agra, por exemplo, podem acompanhar a imple - cadas a médio, longo e curto prazos?

A Agra não é uma instituição de implementação directa. A vantagem da Agra, como dizia, tem uma equipa de cientistas e que conhecem os problemas do sector agrário africano e, neste caso, é trabalhando com os pequenos produtores que são os nossos beneficiários principais, são as necessidades dos produtoagenda agrária no país. Portanto, quando falamos que, no corredor da Beira, os pequenos produtores estão à procura de uma semente - nida do ponto de vista do tipo de solo. Portanto, os beneficiários -

A agra está no último ano da implementação, vai passar para um novo ciclo e vai avançar com questões muito concretas em termos de novas acções que têm de ser desenvolvidas, e é neste sentido que lhe coloco a questão médio e longo prazo. O que é que se pode esperar da intervenção da Agra, em Moçambique, no próximo ciclo?

Primeiro, dizer que queremos garantir que o Governo tenha essa visão, esse plano de investimento, porque, para Agra, signifactores críticos para o desenvolvimento do sector agrário. Não me refiro apenas ao Ministério da Agricultura, mas sim ao Governo. A nova estratégia está já para sair e, assim sendo, uma das preocupações da Agra é ver todos os parceiros de desenvolvimento a estarem atrás da estratégia e fazerem o compromisso de que, nos próximos anos, vão continuar a apoiar o Governo.

É preci so uti l i zar a multiplicidade de modelos de extracção que estão a ser implementados. A agra vai continuar a trabalhar com esse modelo e apoiar a pessoa que, no seu caminho de desenvolvimento, vai ser o próximo agro dealer, processador local ou mesmo a próxima fábrica de sementes e para aí em diante. Esta é a visão de corpo e vontade. Na área de fertilidade de solos, queremos continuar a apoiar o Governo e o país a criar estas misturas de adubos que são outra é continuar a criar capacidade técnica no ponto de vista da

Como é que as mulheres e acções da Agra em Moçambique?

Deve ter tido uma oportunidaas questões dos jovens e mulheres são tratadas como transversais e, assim sendo, são vistas dentro de um contexto duma actividade que foi desenhada numa certa óptica e tantas pessoas estão lá registadas e tantos jovens também. O que a Agra está a fazer é trazer esta noção de como é que se trata de questões destes grupos. Existem tecnologias que podem ajudar as mulheres a reduzirem esse estímulo. Financiamos a aquisição de esbulhadoras que as mulheres iam usar nas suas machambas e mulheres continuassem ligadas

E em relação a alguns jovens, em particular, há alguns anos, apontava-se muito a ideia de desinteresse dos jovens pela prática da agricultura e a migração para as cidades à procura de outras oportunidades. Hoje, com o trabalho que a Agra está a fazer, o que é que se está a vislumbrar?

O engajamento na agricultura tem a ver com risco. Como é que nós ajudamos a reduzir este risco? Em relação aos bancos, já referi, é tentar reduzir o rispara os jovens. Estes, para além de serem seleccionados nas comunidades, vêm de escolas agrárias precárias. Os jovens utilizam muito as tecnologias para criar plataformas de serviços. Exemplo disso são softwares que permitem que o produtor saiba onde as pessoas devem estar à procura destes produtos.

PANO DE FUNDO

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