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A única estrada que (des)liga o país

Texto: afonso Chavo Foto: O País

A Estrada Nacional Número 1 é uma herança do tempo colonial. Depois de 47 anos de independência, ninguém quer estar na pele dos camionistas, isso porque circular naquela via tornouse um autêntico pesadelo. Nem as várias intervenções, ao longo dos tempos, nos conseguem mostrar outra realidade.

Com 750 milhões de dólares, o Governo acredita que conseguiria resolver o problema, com a reparação de 1300 quilómetros de estrada. Praticamente o mesmo valor que foi necessário para construir a Ponte Maputo-katembe, uma imponente infra-estrutura cuja altura é equiparável à profundidade dos buracos que hoje caracterizam a EN1.

De Maputo a Pemba, são 2500 quilómetros, maior parte com muitos buracos, falta de sinalização, trânsito intenso, pessoas a sair e a entrar nas principais cidades do país e muitas mortes provocadas por uma infinidade de acidentes de viação que chocam a todos.

Para compreender tudo isto, uma equipa do “O País Económico” percorreu toda a extensão da EN1 de Maputo a Pemba. A ideia foi colocar-se na pele de quem usa a EN1 para ver e contornar cada buraco da EN1, falar dos investimentos já feitos e imaginar como seria a vida se o país tivesse uma estrada em boas condições.

À partida, a estrada está em perfeitas condições, com asfalto e um razoável nível de asfalto. Aliás, começam a surgir focos de buracos. Desde a sua construção, a EN1 já teve muitas intervenções, mas aqui falaremos apenas dos últimos 12 anos.

Entre 2010 e 2012, a EN1 foi reabilitada no troço entre Jardim e Marracuene. Neste período, nasceram duas faixas de rodagem para cada lado. Mais recentemente, e com a construção da Circular de Maputo, a estrada passou a ter portagens.

A primeira portagem da EN1 está e em Cumbeza, em Maputo. Uns quilómetros mais à frente, em Bobole, já na província de Maputo, encontramos os primeiros buracos. A situação fica pior à medida que seguimos viagem em direcção à província de Gaza.

Antes de Xai-xai, mais uma portagem, em Chicumbane, distrito de Xai-xai. Até a cidade, a estrada tem melhores condições e a sinalização é visível. Olhando para o passado, revemos os tempos em que todo o país consumia cereais da província, que chegou a ser apelidada de celeiro na Nação.

Voltando à Estrada. De Maputo a Xai-xai, a nossa viagem, a uma velocidade média de 80 quilómetros por hora, durou cerca de três horas. Daqui, o novo rumo é Inhambane. Mas antes de sairmos, mais um ponto de cobrança de portagem em Chidenguele.

Em Inhambane, está o maior troço de travessia pela EN1… de portagens também. Por mais problemas que esta província revele, são também visíveis muitos projectos de reabilitação em curso, com destaque para o do troço entre Chissibuca e Lindela, onde estão a ser reabilitados 60 de 132 quilómetros de estrada. O trabalho, entregue à portuguesa Mota-engil, deverá ser concluído até Dezembro.

O custo é de quase 314 milhões de meticais. O valor pago nas portagens financia a obra e inserido no Programa Auto-sustentado de Manutenção de Estradas (PROASME).

Em 2018, foram reabilitados 135 quilómetros de estrada, de Pambara a Save, zona que separa o sul do centro. Isto no contexto das obras de emergência. Apesar dessas reabilitações, os buracos noutras zonas aumentam o custo de vida em Inhambane.

Que o diga o comerciante Devia Comar que, para além dos custos das mercadorias, tem de arcar também com as despesas constantes de manutenção da viatura em que transporta os produtos. Para compensar, só tem um caminho: anexar os custos ao preço final, é o custo de vida a ser impactado.

Além disso, a largura da estrada deixa os camionistas zangados, que entendem que o país não tem propriamente uma Estrada e, sim, “uma linha”. Basta uma avaria mecânica para bloquear o trânsito, até porque encontrámos uma situação dessas em Inhambane.

A falta de sinalização compromete e dificulta a tarefa dos condutores, sobretudo à noite, ou pela manhã, quando a "cacimba" toma conta da via. Depois de dois dias na zona sul do país, começamos o terceiro na vila de Save.

Até então tínhamos visto quase de tudo, mas nada se comparava àquilo que veríamos de seguida. Tinha chegado a vez de ver história.

História de uma estrada esburacada. A nossa próxima paragem é Inchope, que fica a 260 quilómetros do Rio Save. Se viajássemos a uma média de 70 quilómetros, a nossa viagem poderia durar, no máximo quatro horas. Neste caso, só o caminho nos diria, aliás, as covas, ditaram a nossa velocidade.

Por falar em velocidade, depois de Save encontrámos uma placa que limita a velocidade aos 100 km/h, mas a limitação, na verdade, é um covão que está ao lado da mesma indicação.

Porque a estrada não tem condições, as bermas são a solução para todos; seja para carros de grande porte ou até mesmo para motorizadas, ninguém escapa ao "zig-zag". Os automobilistas têm de fazer manutenção todos os dias depois de passar pelo troço entre Save, em Sofala, e Nicoadala, Zambézia.

Mas, e como viajam os passageiros?

Decidimos entrar num autocarro. Lá encontrámos todo o tipo de passageiros, desde crianças a mulheres grávidas. Becas é o nosso chofer! Motorista há mais de dez anos, conhece como poucos as rotas no sentido sul-centro.

Actualmente conduz neste caos, mas, na memória, tem ainda os tempos em que o cenário era bem diferente. “Naquela altura, podia sair da Beira e chegar a Maputo no mesmo dia. Agora são dois ou mais”, explicou o motorista ao ritmo do saltitar do autocarro.

Quando começámos a nossa viagem, o autocarro saía da Beira em direcção a Maputo. A distância é de pouco mais de 1200 quilómetros. Se viajasse a uma velocidade média de 70 quilómetros por hora, esta viagem demoraria 16 horas. Mas, nestas condições, leva dois dias, no mínimo… Muito cansativo e desgastante para todos, incluindo passageiros, esses que relataram cenário de medo por verem, ao longo do percurso, vários camiões caídos.

Deixámos o autocarro e seguimos a nossa viagem, sempre a fintar os buracos… E não são poucos buracos, por isso os automobilistas precisam de aperfeiçoar, a cada viagem, a qualidade dos dribles.

Sucede que nem todos conseguem driblar e acabam lesionados! É o caso de Dito. Depois de tentar esquivar-se de uma cratera, o carro parou. Encontrámos-lo encostado à roda que se tinha deslocado. Estava ali havia 24 horas e ainda sem solução. Fazia do seu carro, uma carrinha caixa aberta, a sua sombra, num dia de sol escaldante. 33 graus centígrados.

O mesmo aconteceu com Pascoal Samuel, camionista. Depois de esgotar todas soluções possíveis, levou a mão à cintura, para manifestar a sua impaciência. “Bati uma cova e o carro parou de alimentar”. Mais do que a alimentação do carro, Pascoal estava agora preocupado por não ter, ele mesmo, o que comer. E ali ficou por mais de três dias.

Ainda longe de Inchope e já sem a luz do dia, tivemos de interromper a viagem em Muchúnguè. Estamos em Sofala. Novo dia, os mesmos problemas… e o mesmo destino: Inchope. Agora a distância é de 151 quilómetros… O exercício continua.

Não precisamos de andar muito para voltarmos a deparar-nos com imagens familiares: camiões caídos. De Muxúngwè a Inchope encontrámos quase dez camiões com mercadorias caídos… a causa é a mesma: Estrada degradada. De Inchope, vamos agora a Caia, que

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